Sensação de não haver pendências com quem parte pode facilitar a vivência do luto
Logo após a partida da cantora Rita Lee, no início do mês de maio, diversas notícias divulgadas na imprensa davam conta de que a artista havia planejado o próprio velório nos mínimos detalhes. Conforme seu desejo, o funeral foi realizado no Planetário do Ibirapuera, em São Paulo, por ser um dos seus locais favoritos na cidade. A artista também havia pedido que não houvessem flores ou velas, que fosse feita uma projeção com a data do seu aniversário no teto do planetário, com o intuito de mostrar a pequenez da morte diante do universo, e que seu corpo fosse cremado. Os familiares respeitaram e realizaram seus desejos, à exceção dos lírios que discretamente ornamentaram sua urna e as diversas homenagens em coroas de flores recebidas pela família.
Já na despedida da cantora Gal Costa, que faleceu em novembro do ano passado, alguns sites informaram que a viúva da artista optou por realizar o sepultamento em São Paulo, e não no jazigo que a artista havia comprado no Rio de Janeiro. Diante de casos como esses, fica o questionamento: as pessoas devem respeitar a vontade de quem faleceu? Ou, nesse momento, é importante priorizar também as necessidades de quem fica?
Segundo a psicóloga especialista em luto do Cemitério e Crematório Morada da Paz, Simône Lira, algumas vontades de quem partiu podem esbarrar nos limites das questões existenciais de cada indivíduo. “Sendo assim, é importante que seja esclarecido que esses desejos se referem ao ente querido que partiu e para ele seria importante que fossem realizados. Esta é uma forma de honrar a sua memória e seu legado, mas diante de fatores limitadores a família também pode encontrar outras maneiras de homenageá-lo”, explica.
De acordo com ela, conseguir ofertar a possibilidade de acatar todos os desejos do ente querido pode ser uma forma de sentir que fez o melhor por ele até os últimos dias de sua vida. “É importante que todos os desejos sejam conversados previamente para que os familiares entrem em um consenso, pois algumas manifestações podem trazer conflitos também, seja por questões culturais, crenças e valores que divergem entre alguns membros da família ou por esbarrar em limites de entendimento”, orienta.
A cerimonialista do Morada do Morada da Paz, Luciana Trindade, lembra de um atendimento que realizou alguns anos atrás, no qual uma senhora havia pedido que seu funeral fosse conduzido de uma forma diferente e atípica do que a maioria das pessoas estão acostumadas. Ao som das músicas “Bete Balanço” de Cazuza e “Odara” de Caetano Veloso, cerveja gelada e caldinho foram servidos aos familiares e amigos que estiveram presentes na despedida. “Apesar da tristeza e da saudade, ela expressou em vida que não queria ninguém chorando em seu velório, ela queria todos alegres”, lembra Luciana.
Os desejos de fim de vida podem ser expressos a qualquer momento, seja através de conversa com familiares e amigos ou através da elaboração de um documento chamado Testamento Vital, sendo necessário que a pessoa seja civilmente capaz. “Também chamado de Diretivas Antecipadas de Vontade, esse documento permite que além de manifestar os seus desejos, seja em relação aos ritos fúnebres ou aos tratamentos médicos que prefere ter, a pessoa também pode eleger um responsável para assegurar que suas vontades sejam realizadas no momento em que este estiver incapacitado de se manifestar”, informa Simône Lira.
É claro que muitas vezes será necessário bom senso e equilíbrio entre as vontades de quem parte e as necessidades daqueles que ficam, pois a ritualística em torno da despedida pode ser um acalento e reconfortar aqueles que perderam alguém, sendo um facilitador na vivência do luto. “O que importa é que a despedida faça sentido para os envolvidos, sem fórmulas corretas a serem seguidas. Não há nada mais gratificante que a sensação de poder ter feito tudo o que era possível para honrar a memória de alguém que para nós foi um grande amor”, reforça a psicóloga.